quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Uma carta para ser lida antes de ser rasgada


O lençol não está tão branco como eu esperava. O que faz você se sentir vivo? Você não sabe como me senti quando três cortes quase fizeram a vida escorrer totalmente do teu corpo. Você não sabe como eu queria que aquela faca tivesse atravessado a nossa distância e feito sangrar toda essa espera. Sou dramático e, às vezes, extremamente meloso. Eu sei. Já está tarde, minha cabeça anuncia aquela dor latejante que só passa com analgésico. Mas não quero me dopar. Quero sentir. Quero sentir se voltei tarde demais. Quero sentir se você ainda é você. Quero sentir se eu ainda sou eu. Quero sentir se eu ainda sou eu para você e se você ainda é você para mim. Você está conseguindo me acompanhar? Sim, sou muito confuso. E, no meio da minha confusão, derrubei todas as paredes que nos aproximavam. Mas para onde nós fomos depois da última mensagem? Nós ao menos conseguimos ir? Ou nós continuamos no mesmo lugar, ambos, adormecidos e entorpecidos por essa procura ávida - e quase insana - por algo (ou alguém?) que faça a vida ter sentido? Queria atravessar tua pele através das tuas cicatrizes. Tenho devoção por tudo aquilo que carrega o peso da vida e por tudo aquilo que foi atravessado pela dor. Não sei se você faz sentido ou se você é o próprio sentido. Não sei se faz sentido para você. Queria escrever uma palavra que ninguém nunca jamais se atreveu a escrever. Queria ferir o papel com uma palavra que nunca foi proferida por boca alguma. Não me atrevo a dizer. O trevo de quatro folhas pode mesmo nos dar sorte? Só não morre. Por favor, não morre. Continue respirando, porque quando você respira eu ainda posso ter esperança dos muros dessa distância irem ruindo um a um até que eu possa te ver além de todas as palavras, de todas as fotos e todas as marcas. Não sei nadar, mas isso nunca me impediu de mergulhar. Mergulhamos para nos salvar ou para desaparecer? Há um outro mundo dentro de mim. O meu caos pode se alinhar ao teu? O teu corpo é a palavra que eu desejaria ter inventado, gerado dentro do meu próprio corpo e parido entre minhas mãos. Ainda não sei o que sou. Você nunca disse que sou poeta e isso me deixa aliviado. Porque talvez, subitamente, você saiba no seu silêncio que eu sou apenas um menino tentando continuar vivo mesmo com a alma tão fodida. Talvez você saiba - e sabe! - que estou apenas tentando me salvar. Você também está. Talvez tua alma seja tão fodida quanto a minha. Talvez eu não saiba mais o que dizer para regressar ao ponto de onde parti. Talvez não haja como regressar. Talvez não haja mais um ponto nem um final. Talvez nós precisamos recomeçar.