domingo, 26 de novembro de 2017

Rolling in the deep

Foto: Hélio Beltrânio

imagino que tenho o teu coração em minhas mãos
eu que era uma marionete dominada por teu querer
agora estou reinando sem coroa ou cetro de ferro
enfio teu coração no espaço entre as minhas pernas
mas não fico excitado meu pau nem se move
sinto que não tenho sexo e você fica duro
de medo
baby,
não vou destruí-lo dessa vez mas enfio
um pouco mais teu coração pulsando debaixo
das minhas roupas sangue manchando a brancura
entre minhas pernas finas
sem lubrificante porque quero que você sinta
a dor de violentar a alma de alguém
enfio com força com sede de rasgo e fome de estrago
meus dentes estão todos estragados
tua carne está podre
: ninguém mais quer te comer
nem eu
mas você continua abrindo as pernas dizendo vem
mete até o fundo
e o mundo entra e o mundo sai entre as tuas pernas
você é tão sujo e minha saliva não pode mais
te limpar nem meu gozo pode te salvar
por que eu insisto nessa história de salvação?
e você enfia a mão no meio das minhas pernas
para salvar
o que restou

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Vazio


como se pudesse antecipar meu próprio parto
abro uma fenda com os dedos tensos de medo
o vazio ocupou todo o espaço do meu corpo
estou com um nó na garganta e
alguns dedos de dilatação
nada transborda
um mar inteiro represado em mim
mas continuo tentando me livrar do útero
e dos braços do passado tentando
me segurar aqui onde as feridas não
se curam nem cicatrizam
o vazio está tão denso que até posso
senti-lo na garganta talvez
eu tenha que vomitá-lo entre minhas pernas
você nasceu para o mundo
mas morreu em mim o amor descansa
não posso deixá-lo morrer agora
sinto que vou rasgar minha garganta
de dentro para fora no fundo da ferida
há uma palavra que eu não consigo ler

sábado, 18 de novembro de 2017

Não tenho um título para te dar

Foto: Henrik Brondsted

eu deveria ter começado a escrever quando uma palavra foi costurada na minha memória. nunca comi tanto doce como no último mês. na verdade, acho que já faz quase dois meses. meu relacionamento – ou minha/nossa gestação – que durou nove meses, acabou. dessa vez eu não me prendi à data. na última ligação, que não me ligou a nada e apenas me desligou dele, ele me disse que foi quase uma gestação e aquele momento estava sendo o parto. estou comendo muito doce. brinco com algumas pessoas que talvez eu fique diabético. por que às vezes eu me empurro para o precipício do sofrimento? eu nunca gostei de atalhos. talvez ele não chegou a descobrir isso em mim. é por isso que eu quase sempre me perco quando estou indo a algum lugar. porque acabo indo pelo caminho mais difícil, o mais demorado, o mais complicado. e, por isso, chego atrasado. as luzes já se apagaram. o filme já começou. nada foi fácil até aqui. eu sabia que ele também não seria. mais de mil quilômetros separavam nossos corpos. uma vez até calculei a distância no google maps, mas não me recordo a distância exata. o número está saltando em minha memória agora, mas eu me recuso a dizer. eu me recuso a escrever. às vezes, sinto que coloquei minhas palavras debaixo da cama como pares de sapatos velhos, sujos e desgastados pelo tempo, que a gente não usa mais. eu, que sempre precisei tanto das palavras para existir, para me explicar, para construir pontes e saltar os vazios, me desfiz de algumas tantas palavras. minhas palavras vez em quando são tão afiadas. acredito que ele tenha sentido isso em alguns momentos. minhas palavras cortam a carne que se deita sobre a minha carne. ainda que as palavras sejam mudas. elas escorrem pelos dedos e sujam as minhas unhas. na última vez que esteve em casa, ele pediu o cortador de unhas. talvez ele não queria me machucar. eu também não queria machuca-lo. estou comendo tanto doce. parece que vou vomitar. mas não vomito. sei que as pessoas estranham quando digo que estou enjoado, mas nunca vomito realmente. eu sei, é incômodo. para mim também é. queria vomitar como vomitei na minha primeira noite de porre. era natal e assim como o menino deus eu também queria nascer. eu estava sujo. minhas feridas doíam. não, não foi ele quem me feriu. não era isso que eu queria dizer. eu queria vomitar como naquela noite. vomitar compulsivamente até não sobrar nenhuma gota de vazio ou saudade. o vazio ainda ocupa tanto espaço em meu corpo. eu conheci o vazio dele. por isso, posso dizer que o amei. e que o amo. lembro-me que comecei a comer tantos doces depois que comecei a escrever o tcc. a morte é tão amarga, meu bem. talvez por isso eu esteja tentando adoçar o paladar. quando escrevo, sinto o peso da palavra na ponta dos dedos e sinto seu gosto na língua. é estranho, parece que minha gengiva ainda está sangrando. eu ate sonho com isso. a tela do celular acendeu. chegou uma notificação. eu nunca espero que seja ele. talvez sejamos realmente muito parecidos em algumas coisas. ele é osso duro de roer. eu também sou. somos então. nosso amor deve ter nascido dessa nossa insistência em roer o osso um do outro. mas pra quê? prossigo comendo muito doce e minha irmã não dorme. às vezes, acho muito bonito o jeito dela e da minha mãe roncar. é, eu sou muito estranho. eu gostava de ouvir ele roncar. parece que o mundo todo dormia quando ele adormecia. até as minhas dores dormiam. escrever sobre morte é morrer duas vezes. já morri tantas vezes entre as linhas do papel ou em sua brancura. ninguém levou flores ou acendeu uma vela pela salvação da minha alma. eu não quero mais me salvar e ir para esse céu que eles dizem que existe. a vida é se perder e se afundar e perder o fôlego e respirar e deixar o calor do sol beijar suas pálpebras. tenho medo de olhar debaixo da cama e encontrar uma palavra morta. onde irei enterrá-la agora que ele não está mais aqui? mas eu preciso dele para enterrar a minha palavra morta? invento que olho debaixo da cama e que a palavra está morta. volto a ser cristão e acredito que a palavra vai ressuscitar em três dias e imagino que três dias depois volto a olhar a palavra e ela ainda está lá. morta. elena está morta. sim, estou assistindo aquele filme que comentei com ele certa vez. mas ele achou melhor não assistir. acho que sempre tive medo que ele se quebrasse. não queria que elena tivesse se quebrado. talvez eu estou sendo egoísta agora, mas queria que elena estivesse viva. queria beber de sua arte. mas a morte me parece uma pedra e ao mesmo tempo um buraco vazio. toda vez que penso em minha morte, imagino um imenso vazio depois. daí não quero morrer, mesmo tendo desejado tantas vezes. agora estou bebendo água. dia desses bebi tanta água que parecia ressaca. talvez eu esteja de ressaca. acabo de me lembrar de uma pessoa que troquei alguns beijos há anos atrás num bar de nome estranho no centro da cidade. ele tinha o mesmo nome que você. os braços eram repletos de tatuagens. o peito também tinha uma tatuagem. mas o coração era vazio. depois dessa lembrança, tudo fica vazio, assim como o coralão dele. ele não me tocou com profundidade. penso que elena queria tocar e ser tocada. elena queria sentir a voz de sua existência ecoar no vazio do mundo. eu também quero. é por isso que estou esbravejando com meus dedos agora enquanto uma palavra agoniza embaixo da cama e eu escuto seu pedido de socorro. mas eu não vou olhar. eu não quero olhar. eu não quero saber qual palavra é. deixo a palavra morrer.