Foto: Francine Murara |
Pelicano,
o livro de poesias de Rafael João, lançado pela editora paulistana Fractal,
pousou em minhas mãos numa noite gelada de sábado.
Na
vernissage de lançamento o autor, um rapaz jovem e sorridente, estava nervoso e
tímido. No processo de escrita percebe-se que não há qualquer amarra ou
timidez. Rafael João escreve com a alma, usando o sangue a bombeado pelo
coração inquieto como tinta.
Logo
no começo, como se avistássemos a ave vindo em nossa direção, há a capa.
Minimalista, com desenhos contínuos, que se unem de várias maneiras diferentes dependendo
do ponto de vista, formando outros, sobre um fundo em tons de azul, tal qual o
céu onde voa o Pelicano, ou o oceano de onde a ave se alimenta.
As
páginas espessas e macias são como as penas da ave. Brancas, mas que permitem
às diferentes iluminações criarem sombras e nuances agradáveis aos olhos, bem
como a fluidez da formatação. Rafael escolheu, talvez, não inserir letra
maiúscula alguma, talvez por não existir superioridade ou marcação de força
numa poesia; talvez por buscar a modernidade.
Modernidade.
A palavra que consegue definir bem as poesias do autor baiano. Não encontramos
sonetos, odes ou éclogas, nem estrutura alguma clássica de escrita, estruturas
que amarram o pensamento à forma. A modernidade traz a liberdade de focar-se no
conteúdo, no que vem de dentro, das ideias mais profundas ou mesmo as
superficiais que teimam em deixar nossos pensamentos cotidianos.
Concomitante
à modernidade, há a intensidade. Os versos são preparados para perfurarem a mente
do leitor, buscando conversar com as certezas e dúvidas mais antigas, seja a
respeito de sentimentos, ou mesmo de conceitos próprios. Essa intensidade faz,
em muitas poesias, a leitura não ser fácil, forçando o leitor a ler mais de uma
ou duas vezes, em dias esparsados, para conseguir absorver o conteúdo
emocional.
É perceptível que Rafael abriu seu coração e alma para este livro, colocando tudo de si, e mais um pouco dos outros nos textos. Dos outros trouxe a luxúria, o sexo, a potência da raiva e do amor. De si, percebemos a inflexão e reflexão, o sentimento de devaneio e de muitas vezes sentir-se deslocado, ou a alegria de saber exatamente onde está.
O livro grande para os padrões atuais de obras de poesia traz cento e setenta páginas de arte, em palavras, desenhos ou simplesmente o contraste constante entre o claro e o escuro, o contraste metalinguístico de uma capa minimalista e uma estrutura visual interna barroca que dialoga com o abstracionismo.
Exatamente como a ave título, que voa com sua longa envergadura, pesada demais em comparação às demais aves da família, mas que ainda consegue arremeter-se no mar para pescar, e depois, continuar voando.
Fui, pessoalmente, capturado por uma poesia intitulada “sem nome”, pois foi essa grande sinestesia e busca do paradoxal que vêm de dentro que senti lendo “Pelicano”. Transcrevo esta abaixo e deixo o convite para que aceitei que o Pelicano aterrisse em vossas mãos, e quando terminarem de admirar, deixem-no partir, levando consigo lágrimas, excitação e admiração, que lhe causara na estadia.
sem nome
me roubaram algo que não tem nome
me roubaram algo que não tem forma
e me deixaram deformado
sinto que estou pendendo
– meu corpo alma pele e algo sem nome -
no meio de vácuo vazio seco frio
sou vazio esvaziado no vazio
misturado ao vazio
perco o contorno do meu corpo
não sei onde começo e nem onde
termino a prece muda presa
na boca suturada [...................]
me roubaram algo que não tem nome
me roubaram algo que não tem forma
e me deixaram deformado
sinto que estou pendendo
– meu corpo alma pele e algo sem nome -
no meio de vácuo vazio seco frio
sou vazio esvaziado no vazio
misturado ao vazio
perco o contorno do meu corpo
não sei onde começo e nem onde
termino a prece muda presa
na boca suturada [...................]
“Pelicano”
é uma obra, que assim como a ave, instiga a liberdade.
Arian
Dialectaquiz Santos,
poeta e romancista.
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