Foto: Hélio Beltrânio |
Pensei
em te escrever uma carta. Pensei em desejar que se abrisse uma cratera no meio
da rua que me engolisse enquanto eu estivesse passando. Estou cansado. Não
cansado de você ou da vida ou do presente ou do tempo que goteja do relógio
ardendo discretamente minha espera. Pensei em te escrever um e-mail, mas isso
talvez soaria tão piegas. Estou cansado de tentar não parecer piegas. Fazer
incisão sobre o peito e dar ao outro a permissão que ele veja o que está
escondido e retido debaixo da pele se tornou um crime inafiançável. As almas
estão escondidas debaixo de duras camadas de indiferença e medo velado. É preciso
realizar uma escavação para encontrá-las. Mas nem todos querem se consumir
nessa procura. Eu estou apenas te mostrando o que se esconde, aquilo que estava
selado e endereçado a alguém que está com o peito tão rasgado quanto o meu. O
peso do que eu falo não permanece apenas sobre seus ouvidos, mas perdura sobre
meus lábios e queima toda vez que lembro das minhas confissões. Confesso e peço
que você não me redima. É o que eu sou e o que não sou, é o que sinto e o que
eu gostaria de sentir. Estou tão cansado que mal consigo costurar as palavras
uma na outra. Se as palavras pudessem vomitariam de nojo da minha insistência.
Mas eu preciso dizer. Uma palavra tem o peso de um mundo pendendo sobre os
ombros. Teu colo poderia me amparar agora para que eu não dissesse nada. O
silêncio, às vezes, é morte. Queria morrer recostado em teu peito absorvendo
cada batida do teu coração. Tua existência poderia enxugar minha solidão até
não me restar nenhuma gota. A ponta dos teus dedos poderiam se ocupar de
dissecar a minha anatomia. Você poderia me reencontrar dentro de mim. Me fazer
nascer para dentro do teu corpo e depois me fazer escorrer de volta para o meu
corpo. Me mostre o que ainda não sei de mim. Estou tão cansado que nem consigo abrir os
olhos. Provavelmente você não está encontrando sentido no que estou escrevendo.
Nem eu encontro. Escrever, às vezes, parece uma tentativa inútil de sair de um
labirinto. Só estou tentando não me movimentar muito para você não acordar. Uma
vela que queima lentamente durante a noite enquanto o dia estende seu vestido
azul sobre nossas cabeças. É tão azul que mar e céu se confundem. Tuas palavras
dedilham minhas cordas vocais. Você compõe sobre minha existência para que eu
possa ecoar aquilo que és e sentes. Um violino se lamentando de saudade. As
ondas se quebrando como meus ossos desejam se quebrar sobre o teu corpo.
Rabisque um ou dois versos na minha pele pálida. Poesia é o espaço abismal que
separa minha pele da tua. A saudade talvez nos faça purgar abraçando com ardor
as lembranças de quatro dias. Mas os dias estão passando. Os dias estão
passando. Por que eu ainda estou tão cansado? Talvez eu esteja cansado de mim. Escrevi
até aqui para tentar sair do labirinto. Não consegui.
Escrita bonita e forte. É tão bom ler e sentir que sua dor foi verbalizada... Obrigada!
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