domingo, 24 de julho de 2016

Imolado


estou dentro de um quarto escuro. não sou homem nem mulher nem tenho sexo. há um quarto escuro dentro de mim. não há paredes. o vazio vazou através das rachaduras. a estrutura cedeu. mas eu não cedi. permaneço imóvel no modo repeat. escrevo e falo sempre das mesmas memórias e das feridas que se cansaram dos meus dedos que não sabem se querem curar ou abrir ainda mais as feridas. há folhas suficientes para conter o nosso sangramento? “você parece profundo”, alguém me diz. não é uma piada, mas poderia ser. tenho medo que minha alma seque e todas as vezes que senti a sequidão se aproximar, cavei mais fundo um poço à procura de mais alma, de mais água, de mais vida. não foi um jogo. ninguém ganhou. ninguém perdeu. nós nos perdemos. e emudeço para não escrever o que já foi escrito. para não parecer em vão. para não cair no vão que separa minha boca dos teus ouvidos. o imenso vão que separa meus dedos dos teus olhos. dilate-os para comer minha carne imolada aqui: em cada palavra. procuro uma sede que se sacie em mim.

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