Foto: Collin McAdoo |
como
se arranca o vazio de dentro do vazio quando não se sente mais as próprias
mãos? mesmo tendo todos os membros do corpo eu me sinto mutilado. só pertence a
mim aquilo que posso sentir? não sei onde escondo tantas perguntas. não suporto
o excesso de respostas nem quando todas as perguntas são respondidas. escrever
é como costurar. eu nunca consigo enfiar a linha no buraco da agulha. mas
continuo insistindo apesar de. vejo um buraco no teu corpo que você não vê.
tento me enfiar nele. tento atravessá-lo como se atravessa uma agulha. tento
uma duas três quatro cinco e perco a conta das vezes que insisto. posso ver o
buraco e posso escutar seu convite mortal. o amor e a morte estão entrelaçados
como se pudessem ser um só – e talvez realmente sejam. nós estamos amando ou
morrendo? nós estamos amando e morrendo? eu não sei. definitivamente não sei.
talvez amar seja um morrer em pequenas doses. você diz que nem tem mais coração
por conta das inúmeras vezes que ele se despedaçou. e você sabe o quanto
detesto todas as palavras com a terminação ‘mente’. as mentiras estão vazando
pelos seus olhos. você não pode conter nem esconder. eu não queria enxergar. piso
descalço sobre as farpas das mentiras. você pergunta se não está doendo. não escuto
e mais um dois três passos. você abre tanto os olhos que por um momento parece
que as pupilas vão saltar sobre mim. e pergunta mais uma vez se estou sentindo
alguma dor e agora posso ouvir e percebo que não, não sinto dor e dou mais
quatro cinco seis passos e a dor que não dói em mim passa a doer em você e
todas as agulhas do mundo atravessam nossas carnes febris e ansiosas. sim,
respondo ofegante, sim, agora está doendo, respondo tentando levantar a cabeça
para encontrar teus olhos, mas não consigo, abraço – trêmulo e confuso – meu
próprio corpo para que o buraco em mim engula toda a dor. mas não engole. a dor
continua a doer e acorda dores adormecidas até que, próximas, tão próximas, as
nossas peles, as nossas carnes, a nossa alma e nossa miséria, eu consigo,
enfim, sussurrar:
deixa-me costurar
minha existência na tua para que eu seja uma extensão de ti?
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