Foto: Erika Arias |
Sinto
um gosto tão amargo. Tento engolir com pressa antes que o vômito suba rasgando
o esôfago até a superfície e suje toda a casa que agora está limpa e
ilusoriamente imaculada: você acha que água pode limpar tudo. Mas, mesmo depois
de limpa, a casa permanece suja. Suja de ti. Suja de mim. Suja dele – que desconheço
a face e o nome. Sinto a presença dele nos observando como voyeur enquanto
nossas quatro pernas, minhas e tuas, se enlaçam furiosamente na tentativa de
engolirmos um ao outro até que não exista mais dois corpos nem duas almas.
A
impossibilidade do nosso desejo pariu entre as nossas pernas uma angústia
insuportável que se arrasta incansável e lentamente como uma lesma viscosa e
nojenta até a nossa garganta tentando nos sufocar, tentando nos matar.
Prosseguimos em mais um de nossos ofícios procurando algo que nos salve dessa
condenação de morar em nossos próprios corpos. A tua fome me amedronta e minha
fragilidade estremece contra o teu corpo. Se eu me partir em quatrocentos e
trinta e quatro pedaços, você vai me reconstruir?
Um
dia eu quis arrancar toda minha pele para proteger tua alma. Mas, às vezes,
acho que arrancando minha pele estarei arrancando também minha alma. Ele
continua nos observando. Agora tem um riso cínico na face. Ele ri do desastre
que somos nós. Crianças tolas, brincando sobre lençóis, com um pouco de fé na
existência de alguma remissão. Nada nos redime. Se não pecarmos, o paraíso não
abrirá suas portas para nos receber e seus olhos talvez nunca mais se abram
para receber minhas pupilas sujas com memórias passadas.
Talvez
ele – o desconhecido que nos observa – queira participar conosco desse momento.
Eu, que nunca suportei a ideia de um ménage
à trois, o aceitaria e o receberia com bom grado entre as nossas pernas e
nossos peitos suados e surrados de tanto sentir. Eu o aceitaria se ele fosse
capaz de nos salvar. Por quê? Por que precisamos tanto do que está externo a
nós para nos salvar? Talvez porque o perigo esteja morando dentro de nós. O
perigo não mora entre as tuas pernas. Nem entre as minhas. As tuas costelas são
como grades de gaiola. A tua liberdade está aprisionada. A minha se soltou –
forasteira – para pousar no ninho escondido em teu peito onde havia uma
armadilha. Finjo que não vejo.
Eu
não quero ser salvo.
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