sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Tudo desacontece


as garrafas de vinho que não abrimos
as ressacas que não tivemos e
as dores que não doeram
os silêncios que não fizemos por não suportar o peso do que se tem a dizer
as portas que não destrancamos para chegar e para partir
os lençóis que não amassamos com o entrelaçar dos nossos corpos
o chão que não sujamos com o nosso descuido
os cigarros que não acendemos
o gosto que não sentimos
as bocas que não se abriram tentando vomitar todo lodo, todo nojo
a imobilidade das línguas que não tentam mais inventar coreografias no céu da boca
os infernos que não visitamos mais
a luz que não se acende
as lágrimas que não escorrem mais lavando nossa face na hora da despedida
a alegria do reencontro não mais avistada - ou sentida
a pressa para chegar
o elevador que demora
a insistência na campainha
o latido do cachorro
a tevê no mudo
o ouvido atento
a carta sem remetente
o olho que lê e sente
a resposta muda
eu mudo
mas não levanto nenhuma parede

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