Foto: Hélio Beltrânio |
você
abre o livro com cuidadoso zelo e dedos trêmulos como se estivesse abrindo
espaço entre minhas pernas. ou seria o contrário? não importa. a porta está
aberta velando um convite mudo. brancas e esguias: revelando o universo e
versos enroscados entre os poucos pelos. ansiosas e sedentas como um mar
intocado que nunca experimentou o mergulho de um corpo. quando vais mergulhar
em mim? teus olhos estão repletos de mãos e dedos incontáveis arranham a minha
solidão. é inútil e indolor. quanto mais arranhas, mais me sinto inalcançável.
estou enterrado a sete palmos dentro do meu próprio corpo. não suportas a tua
impotência diante da minha existência envolta em uma casca grossa e áspera. não
suporto permanecer incólume. e prossegues insistentemente nesse teu ofício de
arranhar-me e tentar rasgar-me a pele, romper o hímen que protege a minha
solidão, alcançar a carne, afogar-se entre os ossos e morrer afogado em minha
alma. tudo é cinza. orifícios são labirintos e estás perdido entre o corpo e a
alma. a ânsia de preenche-los é apenas a fome secreta de mergulhar em mim até
encontrar o lugar onde a minha alma se esconde. estamos brincando como duas
crianças brincam de esconde-esconde. quanto mais nu estou diante dos teus
olhos, mais estou escondido. talvez você precise me dissecar para encontrar o
que tanto procuras. dedos não me alcançam e o teu falo se perde dentro da minha
anatomia indecifrável e você se cansa e você insiste em me arranhar com tuas
garras até as minhas pernas se abrirem ainda mais como um livro se abre para
quem o lê para revelar as letras, as palavras, as frases, os mistérios. há um
mistério insondável escondido entre as folhas de um livro – e entre as minhas
pernas alvas. eu me abro todo diante da tua fome. eu me viro uma duas três
quatro e duzentas e trinta e seis vezes como as páginas são viradas entre os
dedos de quem o lê. eu quero que você me leia. e você – desesperado – não sabe
mais ler e descubro que você sabe ler, mas não consegue ler o que está entre as
minhas pernas e rasgas minhas virilhas e manchas de sangue as tuas mãos e sente
o calor escorrer entre os teus dedos e tens medo que a vida abandone o meu
corpo e você não tenha mais onde insistir onde mergulhar onde morrer e onde
renascer. e, então, no ápice de uma epifania, um estalo, como no momento em que
arrancaram o teu primeiro dente de leite, tu percebes que não procuras a minha
alma em meu corpo, mas procuras no meu corpo a salvação do inferno em que o teu
se transformou. queres violar a minha carne e fazer-me um corte para abrigar-se
em mim como se o meu corpo pudesse ser um útero capaz de te salvar do mundo,
capaz de salvar-te de você mesmo. abro-me ainda mais como a vagina de uma
parturiente prestes a dar a luz a seu primogênito. esse parto não expulsa nada
do meu corpo. estou parindo você para dentro de mim. você me cabe inteiro. com
ossos e vísceras. recebo-te e te tomo e me fecundas e estou perdido e estamos
perdidos porque não há palavra capaz de dar nome ao que sinto. gozamos porque
nos cansamos de mergulhar e só encontrar o vazio. a impotência me emudece e
suturo o rasgo feito para que ninguém te salve de mim.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigado pela leitura!
ExcluirAbraço. :)
Arrebatador esse final!!! Uouuuuu!
ResponderExcluirÉ tão bonito ler um comentário seu, moça. Obrigado por acolher minhas palavras.
ExcluirUm beijo. <3