Incontáveis
vezes me mantive distante das perguntas. Tentativa vã de poupar minha alma de
sorver a densidade de mais uma angústia. É inevitável não cair nessa corda-bamba
e a tua mão discreta e descaradamente balança a corda para que eu caia. Você
não se envergonha, mas também não ri da minha queda. Você não suporta a minha
ousadia e a minha coragem de tentar o equilíbrio mesmo sabendo que sempre vou desiquilibrar
e cair. Você prefere a segurança do chão. Eu prefiro estar ao chão somente se
for aos pedaços. Eu só sobrevivo nas minhas intermináveis tentativas. Alguém me
pergunta: por que você escreve poesia? Nunca haviam me perguntado isso nem eu
havia me perguntado. Eu te disse que estava evitando algumas perguntas. Talvez
essa seja uma das que eu mais evito. Escrever poesia é como tentar desarmar uma
bomba-relógio. A angústia emerge em meu peito como um ácido se alastrando por
dentro corroendo todos os meus órgãos. Sinto-a corroer meu esôfago. Sinto que
preciso vomitar. Mas nunca vomito nem ouso enfiar o dedo na garganta. Insisto
nessa loucura de tentar desarmar uma bomba-relógio implantada em meu peito.
Grito. Grito muito alto. Meu grito fica retido na garganta repleta de pus. Meus
lábios estão retesados como se estivessem costurados por uma agulha
enferrujada. Só há a possibilidade de dizer pelos dedos. Desarmar a bomba
enquanto a bomba me diz que o tempo está acabando e escrever trinta e quatro
versos compulsivamente e cinquenta e dois poemas sem rimas sem estrofes sem
vírgulas nem ponto final com o ímpeto de rasgar tudo depois. Escrever como um bêbado
vomitando descontroladamente no corredor de sua casa antes de chegar ao
banheiro. A poesia não é educada nem limpa. A poesia é suja. Eu pensei que podia
domar a poesia, mas é ela que me monta, me põe uma sela, me aperta entre suas
pernas enormes e pesadas, me submete ao seu domínio, me cavalga sem piedade. Suportar
os dedos trêmulos escrevendo escrevendo escrevendo e tentando desarmar a bomba
e tentando amar e tentando proteger a cara e alma da próxima explosão e explode
e detona tudo e todos os ossos se esfarelam e a minha cara não se salva e a
minha alma insiste em sobreviver ao estrago e não coloco ponto final porque um
poema não finda no último verso nem na última explosão. Viver deve ser
sobreviver a essas explosões e mesmo assim ainda que com a cara toda fodida e
os ossos todos quebrados e a pele ferida tentar de novo e mais uma vez a ficar
cara-a-cara com a morte (e morrer!) e o útero do recomeço te abraçando e te
abrigando no escuro para depois, só depois de doer, só depois de se arder como
ardem as queimaduras de terceiro grau, ser cuspido abortado vomitado no mundo.
E recomeçar o ciclo...
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