Foto: Hélio Beltrânio |
Você
me amarra sobre a cama e o peso do chão está sobre o meu corpo e eu não consigo
encontrar uma lógica nisso que você acabou de dizer. Só não faço você engolir
tudo de volta porque ainda estou amarrado ao pé da cama e aos teus pés esfolados
de tanto permanecer aqui velando nosso amor em coma enquanto você goza,
gritando, sem conseguir dizer o meu nome. Você goza sobre o corpo de outro
sobre a cama de outro e amarra outras mãos que não as minhas e prende a minha
liberdade sobre seus calcanhares pra que você também não consiga fugir. Quem
aprisiona também se torna prisioneiro.
Não
há como suportar olhar no espelho e conseguir se enxergar. Resta o desastre e a
fúria e a fuga e o estilhaço. A colisão da tua pupila contra a minha. O pavor.
A bomba que nunca explode e o gatilho e o tiro que saiu pela culatra. Quase
enlouquecendo com o tic-tac-tic-tac desse relógio pendurado na parede. O meu
vazio flertou com o teu vazio e nos derramamos e nos afogamos e bebemos tudo
que podíamos beber e vomitamos, juntos, abraçados e com as pernas enroscadas no
banheiro. Teu pau murcho e minha boca morna. Decadência. Minha existência presa
numa coleira arrastada pelas ruas. O teu fetiche é me ver cair até meus ossos
não conseguirem mais suportar o peso do meu corpo.
Eu
queria saber escrever com a delicadeza violenta dos pés de uma bailarina sobre
meus dedos. Mas você pede bate-mais-uma-pra-mim e antes-de-engolir-me-mostra e
você gosta quando engulo a acidez do teu egoísmo e você gosta de ver a minha
miséria, assim, exposta, e depois cospe em cima. Você não violentou apenas meu
corpo. Você não consegue ver os hematomas. Você violentou a minha existência.
Eu conheci o inferno que queima sem fogo. Nenhuma oração foi capaz de me
salvar. Eu me benzi sessenta e nove vezes. Foi inútil. Eu não sei se estava
dentro ou fora nem a porta eu conseguia encontrar e agora estou perdido nesse
limbo entre o passado e o presente, mas talvez eu esteja escrevendo um oráculo
e prevendo tudo que vai me acontecer. Não! Outra vez não. Não vais me foder sem
antes alcançar o orifício da minha alma, sem antes morrer em mim e comigo
sepultar como se sepultam as sementes.
Queria
abrir um buraco no papel pra me enfiar inteiro – e não só esconder a cabeça – pra
me proteger dessa vergonha e desse desastre que somos nós. Desisto.
Escrever, às vezes, é como estuprar a si mesmo tentando romper o hímen que
protege as feridas, as dores mais doídas e as cenas mais escurecidas para não
cegar a visão de quem já viu mais do que deveria ter visto em vinte e quatro
anos e faz um ano que não nos vemos, mas você vem me visitar e deposita sobre
meu corpo o peso do vazio de algo que não foi, de algo que, talvez, jamais
seja. Eu sou a fera escondida atrás das grades dessas palavras. Escrevo para
que você saiba um pouco de mim sem que isso te machuque. Talvez a liberdade não
exista.
Você concatena as coisas com e's ao invés de vírgulas. É apressado e caótico, como se realmente fosse um reflexo preciso da história que as palavras contam.
ResponderExcluirEscrever, às vezes, é como vomitar compulsivamente. Daí não consigo resistir aos e's e engolir as vírgulas, rs.
ExcluirAgradeço sua leitura! ;)