quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O cansaço dos que restaram


Parece que estamos  todos  em carne viva. Pulsamos desesperadamente, sangramos com a força de uma hemorragia interna, queimamos como uma criança com uma febre de trinta-e-tantos-graus sem que se ache a causa da doença. Sim, nós estamos em carne viva. Estamos doentes. E deus nos livre de nos curarmos agora. Todos nós e até os laços desfeitos. Um olhar atravessado nos atravessa até as vísceras. Uma palavra não dita fere nossos ouvidos. Uma palavra espinhosa nos estoura os tímpanos. Queremos escutar melhor ao mesmo tempo em que queremos ser surdos pra não ouvir tanto. Queremos ver com a sensibilidade de quem rumina os detalhes de todas as coisas e, quando conseguimos ver, desejamos a cegueira. Porque ver demais arde os olhos. Um ferro em brasa penetrando nossas carnes e chegando ao fundo. Marcando-me. Marcando-nos.  E vivemos tentando remediar, remendar os trapos, reconstruir os pedaços e abafando a febre embaixo de compressas com água quente e nos cobrindo de pele e de mentiras, porque a verdade não encontra descanso em qualquer ouvido e o céu sente o peso das nossas cabeças. Estamos cansados.

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