Foto: Hélio Beltrânio |
Um
sim pode amolecer uma pedra no meio do caminho. A boca do mundo se abrindo
lentamente para mim. Não tem dentes para mastigar. Não escutamos sinos, mas
alguém diz amém, alguém diz que o fim se aproxima e não há como se proteger,
porque a realidade explode na nossa cara e nossos braços estão postos para trás
como numa paralisia do sono. Mas nós estamos acordados, não estamos? Acontece
assim, como aconteceu aos cinco ou seis anos, ao atravessar a rua, mamãe me
ensinou a olhar para os dois lados antes de ir, olhei para um lado, mas, quando
olhei para o outro, o mundo se perdeu debaixo do breu e a morte quase me beijou
e me acordou da vida. Um sim nos desperta da morte e faz cada músculo do nosso
corpo doer. Suas unhas pontudas rasgam a minha pele e a mortalha que me cobre.
Estou tentando atravessar a rua e você está do outro lado. Lembro que devo
olhar para os dois lados. Não lembro mais quem me ensinou. Olho para um
lado. Um passo. Estilhaços sobre o rosto. Ninguém pode mais se proteger do
estrago. Tenho medo que você não me reconheça depois de ver meu rosto todo
ferido. A minha face em tua memória pode ser uma ferida mal-curada. Mas nós
mergulhamos de tão pequenos que somos na brecha na rachadura no meio do
concreto. Inferno é nunca desatar os nós que prendem a solidão ao seu próprio
corpo. Por que você ainda está rezando? Deus tem medo de você. É o nosso ritual
e o vento levanta as toalhas postas sobre a mesa e não há oferendas e há só uma
solidão sob(re) outra solidão procurando a porta de saída e a porta de entrada
se abre como a boca se abriu no início. O ponto final não finda. O ponto final
é um abismo que se abre após a última palavra escrita. O ponto final foi de
onde d(eu)s começou. É escuro e mudo na extensão de suas bordas. Flertamos.
Deslizamos a palma das mãos sobre a superfície. As minhas mãos estão sempre
tensas e rígidas. Talvez até aqui eu tenha apenas tocado corpos trancados.
Metemos alguns dedos para dentro do ponto final. Arde? Antes que sangre tiramos
os dedos. Um coito interrompido. No meio da rua havia um ponto final. Eu
atravessei.
Lembra meus delírios... Os mais reais
ResponderExcluirAinda bem que eles dissolveram. Obrigado por me ler! <3
ExcluirVocê escreve muito bem meu caro! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, Renaldo! ;)
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