Foto: Hélio Beltrânio |
Não
leia minha mão nem veja a minha sorte. Quebrei sete espelhos quando fiz sete
anos. Não me machuquei – por fora. Faça
as contas para saber quantos anos ainda me restam de azar. Eu não sou
supersticioso, mas, de tanto você me falar de sorte e azar, passei acreditar
que estou afundando lentamente nisso que você chama de azar e eu, ironicamente,
chamo de sina. Sina e destino estão entrelaçados? Acordei pensando que não pode
ser dessa forma, não pode começar e acabar, assim, como todas as coisas acabam,
findam, se partem como os setes espelhos se partiram.
Não
é possível que eu tenha aprendido a me equilibrar numa bicicleta apenas aos
dezoito anos enquanto um elefante já montava sobre meus ombros e me curvava as
costas e se equilibrava com maestria sobre mim. A morte é um elefante sobre nossos
ombros, eu pensei ontem depois da enxurrada de notícias. Como podem as pessoas
continuarem lendo as notícias, vendo as fotos, escutando as reportagens? Como
podem os humanos não sentirem o peso do elefante sobre seus ombros? Como pode a
vida passar distraidamente pela morte que está sempre com sua boca aberta, com
dentes de sobra para nos comer inteiros e com suas garras tão bem afiadas. A
morte não é tão poética como parecia?
Dia
desses sonhei que uma mulher me matava. Sim, ela me cravava algo no peito e
depois tudo se perdeu embaixo da escuridão. Acordei pedindo socorro. Mas
ninguém ouviu, acho. Será que estamos a todo o momento pedindo que alguém nos
socorra da morte? Será que essa indiferença diante da morte não é apenas uma
forma de negar a nós mesmos o quão frágil somos? É a fragilidade de um fio que
nos permite estar ancorados aqui. Queria me lembrar de outro sonho. Queria
lembrar das pequenas e minuciosas mortes que venho experimentado até aqui.
Você
não sente o fedor dos cadáveres esquecidos dentro do seu próprio corpo? A morte,
às vezes, carece de um ritual. A despedida, o silêncio, o fechar das pálpebras,
o calor de uma carne pulsando cedendo espaço para a frieza da finitude. Por que
as vidas são tão breves? Uma pessoa chega e logo parte. Mas continua fisicamente
viva. Continua pulsando vida fora do nosso corpo. Você não sente o fedor dos cadáveres
em decomposição dentro do seu corpo? Quantas vezes eu já morri e esqueci de me
sepultar para poder renascer. Sepultura é onde tudo termina: sejam as vidas,
sejam as histórias, sejam os amores. Minha mãe me olha como se quisesse me
engolir de volta para dentro de si. Não tenho medo. Mas talvez esteja apenas
confundindo meu desejo com o dela. Talvez eu queira que o desejo dela seja o
meu. E não é. Porque mamãe, às vezes, está tão próxima e ao mesmo tempo tão
distante. Quero gritar pedindo socorro. Tenho medo de deixa-la surda.
Gritamos
dia após dia e nem ao menos nós mesmos nos escutamos. Ontem escorri tudo pelo
ralo e o senti vomitando de volta pra mim. Sinto que escrever é como vomitar
compulsivamente às 4h da manhã após ter bebido descontroladamente. Não posso
reter em mim. Cada palavra é um fiasco de vida – e de morte – que cai sobre o
papel. É desvirginar. É desposar. É foder consigo mesmo quando a mão está seca
e o pau não está rijo e a boceta não está lubrificada, mas você insiste ainda
que esteja se machucando e sangrando. A dor entorpece a si mesma. É uma
maldição sentir?
Texto de sensibilidade ímpar que toca em questões universais e humanas. Escorra sempre!
ResponderExcluirÉ muito importante pra mim ler um comentário seu. Fico feliz que tenha te toco. Obrigado pela leitura! <3
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