terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Limbo


Não, não feche os meus olhos. Eu ainda não quero dormir nem morrer. Ainda nem é noite e não tenho ninguém para cantar uma cantiga de ninar. Minhas dores só adormecem com a tua voz. A tevê está desligada ou você a deixou no mudo antes de ir embora?  Minhas memórias estão me afogando. Estou só, dentro e fora de um metrô, indo para lugar nenhum. Nem tenho passagem nem sei se sou o passageiro. Talvez eu seja o condutor. Mas eu não sei conduzir essa dança. Você também não sabe.

Uma pedra caiu do alto e ela quase conseguiu segurar com as mãos pequeninas. Não estou dentro nem fora. Onde você está? Eu estou em cima da rocha. Abaixo dos meus pés há água. Muita água. Sinto vertigem. Mas estou apenas sonhando. É uma forma de não sentir dor? Ontem reli algumas palavras soltas. Aquele nem se parece comigo e, ao mesmo tempo, se parece tanto. Decerto estou realmente me afogando e estou sendo só na superfície. Sempre tive tanto pavor de ficar na superfície. Talvez esse que estou sendo agora é apenas aquele do sonho: observando de longe uma menina tentando equilibrar uma pedra gigante com as próprias mãos. A menina tenta ajudar uma outra menina que está à sua frente. Não sei quem é a menina da frente. Talvez fosse eu. Talvez eu sou esse que vê a pedra cair e tenta segurá-la ao mesmo tempo. Não consigo transpor meu corpo até lá. Mas talvez eu já esteja lá. Quando a pedra cai, sinto o seu peso em minhas mãos. É tão pesado e tão angustiante.

A menina já foi uma bailarina. Foi ou ainda é? Ainda é. Uma bailarina nunca deixa de ser bailarina. Sua alma estará sempre dançando pela vida. Viver é inventar coreografias mesmo quando seus pés estão esfolados de tanto andar, de tanto dançar. Parece que nunca acertamos o passo.  Mais uma pedra cai e eu estou e não estou lá. A menina continua tentando segurar a pedra. O peso do mundo sobre as mãos da menina. Talvez viver seja dançar enquanto se tenta equilibrar uma pedra com as mãos.

Será que nós precisamos estar aqui? Precisamos atuar nessa cena? Parece que estamos tentando desesperadamente mostrar o quanto somos fortes. Talvez sejamos fortes, mesmo quando não conseguimos segurar as incontáveis pedras que caem sobre nós. Estou cansado de carregar esse peso. Estou cansado de permanecer aqui, imóvel e intacto. Não estou acordado nem sonhando. As dores também se cansam de doer. É por isso que continuamos dançando mesmo quando nossos pés já estão em carne viva.

Essa insistência em negligenciar o vazio. A imensa cratera que se abriu no meio do peito quando você partiu. Tento inutilmente cobrir o vazio com a mão. É tão fundo. Vertigem. Caio. Não há como parar a queda. Nem como amparar o desastre. Você não sai daí de cima, porque é mais confortável esperar que um deus te estenda os braços e te salve. Você eu nós poderíamos saltar do alto dessa pedra. Poderíamos mergulhar. Você sabe que eu não sei nadar, mas eu quero o risco de me lançar no que eu desconheço. Preciso saber quão profunda a vida é. 

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