Não, não
feche os meus olhos. Eu ainda não quero dormir nem morrer. Ainda nem é noite e
não tenho ninguém para cantar uma cantiga de ninar. Minhas dores só adormecem
com a tua voz. A tevê está desligada ou você a deixou no mudo antes de ir
embora? Minhas memórias estão me
afogando. Estou só, dentro e fora de um metrô, indo para lugar nenhum. Nem
tenho passagem nem sei se sou o passageiro. Talvez eu seja o condutor. Mas eu
não sei conduzir essa dança. Você também não sabe.
Uma pedra
caiu do alto e ela quase conseguiu segurar com as mãos pequeninas. Não estou
dentro nem fora. Onde você está? Eu estou em cima da rocha. Abaixo dos meus pés
há água. Muita água. Sinto vertigem. Mas estou apenas sonhando. É uma forma de
não sentir dor? Ontem reli algumas palavras soltas. Aquele nem se parece comigo
e, ao mesmo tempo, se parece tanto. Decerto estou realmente me afogando e estou
sendo só na superfície. Sempre tive tanto pavor de ficar na superfície. Talvez
esse que estou sendo agora é apenas aquele do sonho: observando de longe uma
menina tentando equilibrar uma pedra gigante com as próprias mãos. A menina
tenta ajudar uma outra menina que está à sua frente. Não sei quem é a menina da
frente. Talvez fosse eu. Talvez eu sou esse que vê a pedra cair e tenta
segurá-la ao mesmo tempo. Não consigo transpor meu corpo até lá. Mas talvez eu
já esteja lá. Quando a pedra cai, sinto o seu peso em minhas mãos. É tão pesado
e tão angustiante.
A menina já
foi uma bailarina. Foi ou ainda é? Ainda é. Uma bailarina nunca deixa de ser
bailarina. Sua alma estará sempre dançando pela vida. Viver é inventar
coreografias mesmo quando seus pés estão esfolados de tanto andar, de tanto
dançar. Parece que nunca acertamos o passo. Mais uma pedra cai e eu estou e não estou lá. A
menina continua tentando segurar a pedra. O peso do mundo sobre as mãos da
menina. Talvez viver seja dançar enquanto se tenta equilibrar uma pedra com as
mãos.
Será que nós
precisamos estar aqui? Precisamos atuar nessa cena? Parece que estamos tentando
desesperadamente mostrar o quanto somos fortes. Talvez sejamos fortes, mesmo
quando não conseguimos segurar as incontáveis pedras que caem sobre nós. Estou
cansado de carregar esse peso. Estou cansado de permanecer aqui, imóvel e
intacto. Não estou acordado nem sonhando. As dores também se cansam de doer. É
por isso que continuamos dançando mesmo quando nossos pés já estão em carne
viva.
Essa
insistência em negligenciar o vazio. A imensa cratera que se abriu no meio do
peito quando você partiu. Tento inutilmente cobrir o vazio com a mão. É tão
fundo. Vertigem. Caio. Não há como parar a queda. Nem como amparar o desastre.
Você não sai daí de cima, porque é mais confortável esperar que um deus te estenda
os braços e te salve. Você eu nós poderíamos saltar do alto dessa pedra.
Poderíamos mergulhar. Você sabe que eu não sei nadar, mas eu quero o risco de
me lançar no que eu desconheço. Preciso saber quão profunda a vida é.
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