Foto: Hélio Beltrânio |
Há
coisas na vida que construímos sem usar as mãos e há tantas outras que
destruímos com a força das próprias mãos para sentir o peso do que se era e do
quanto se estava enrijecido e preso dentro de um molde. Por que, às vezes, a
vida parece estar retida em algum lugar que não sabemos dar nome? Eu dou nome
de corpo. Minha relação com meu corpo - e consequentemente com o corpo do outro
- entrou num processo de mudança, uma nova (re)visão. Não estou falando de
sexo, mas talvez esteja também. Não estou falando de quebra de paradigmas, mas
talvez esteja também.
Eu
não sabia onde a minha vida e a minha existência estavam represadas até
perceber que a superfície de mim - o corpo - não era tocada, acessada. É, eu
não sei fazer a dicotomia (ainda). Se me tocam o corpo, espero que esse toque
mergulhe também em minha existência penetrando todos os muros até encontrar a
minha alma. Nós não somos mais tocados - nem tocamos - com o cuidado de quem
toca o sagrado. Não, eu não estou tentando construir um tabu ou reforçar paradigmas
religiosos. Para (vi)ver é preciso tocar. Se conhece e se vê mais com a ponta
dos dedos ou com as pupilas dilatadas ou no escuro onde o (br)eu não é o
limite.
Algumas
pessoas conhecem mais o próprio corpo na dor. Se dói é porque estou vivo. E
esse talvez seja só mais um clichê. Mas a dor pode nos desmembrar em muitos.
Mas você sabe onde dói? Às vezes a dor fica abafada no fundo do peito querendo
doer. E chamo isso de angústia. Uma dor que não consegue doer. Angústia, pra
mim, é alma represada, é não ter onde desaguar, é não ter onde vomitar quando
estou de ressaca, é uma ferida esquecida. O corpo diz tanto do que está imerso
dentro si. Mas, às vezes, nós ignoramos os sintomas e colocamos os demônios
para dormir em vez de exorcizá-los.
Eu
queria saber dançar com a mesma leveza de uma bailarina num palco. Solitária,
mas livre como uma borboleta batendo as asas. Eu queria fazer um ritual. Deitar
meu corpo sobre o altar do mundo, onde os corpos das abominações são
marginalizados e marcados como pecado, e deixar que a vida me toque mesmo
sabendo o quão violento seu toque pode ser. O que antecede a nudez? Quando nos
desnudamos estamos realmente nus? É dolorido aceitar a crueza que o outro nos
oferece. Sexo é um pedido de socorro, uma tentativa de não sucumbir. Orifícios
são saídas de emergência. Mas quem pode nos salvar de incêndio do que somos?
A
liberdade vez em quando me parece tão pesada. Talvez seja por isso que a alma
carece de um corpo para ser alma, para ser vida, para ser existência, para ser.
Parece que há sempre um limite e que nunca conseguiremos chegar no fundo.
Talvez seja nossa ânsia em sobreviver. Porque, depois de mergulhar, não se sabe
o que vai encontrar. Não sei se desaprendemos a amar. Pode ser medo. Medo de
morrer, porque o amor e a morte estão tão próximos que parecem ser um. Ontem eu
morri um pouco e me deixei morrer, mas não fui para a sepultura. Morri sobre
outro corpo, em outras pupilas, entre os lábios ávidos de outra pessoa. Não
quero uma língua que lamba apenas minha pele. Quero uma língua que se atreva a
lamber minha solidão até sorver o meu gosto. Quero a violência da delicadeza e
o peso da leveza. Quero dançar até meus demônios fugirem de mim. Quero ser mais
leve - mesmo carregando o mundo sobre os ombros.